terça-feira, 11 de novembro de 2008

INQUIETAÇÕES QUE A TORRE CAUSOU NA SOCIEDADE PARISIENSE


“Bem firmadas sobre pernas arqueadas, sólidas, enorme, monstruosas, brutal, dir-se-ia que desprezando os assovios e os aplausos, ela vai de um só golpe procurar, desafiar o céu sem ocupar-se com aquilo que se agita a seus pés!” (ILLUSTRATA, 1889, p. 18)



Estrutura da Torre Eiffel

Diante de tamanhas modificações a sociedade parisiense reagiu de diversas formas. Os mais intelectualizados se assustaram, foram contra, manifestaram; em contrapartida tiveram aqueles que se entusiasmaram, se admiraram, se impressionaram.


Antes mesmo do início das obras começaram as manifestações. Uma carta foi escrita e assinada por artistas e literatos, entre eles estavam: Meissonnier, Grounod, Garnier, Sardou, Bonnat, Coppée, Leconte de Lisle, Sully-Prudomme, Maupassant, Zola. A mesma, aberta a Alphand, comissário da Exposição, protestava publicamente contra a construção da torre:


Pintura de Delaunay



Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos, apaixonados amantes da beleza de Paris, até agora intacta, protestamos com todas as nossas forças, em nome do gosto francês renegado, contra a construção, em pleno coração de nossa capital, da inútil e monstruosa Torre Eiffel, que a maldade pública, freqüentemente inspirada pelo bom senso e pelo espírito de justiça, já batizou com o nome de Torre de Babel. A cidade de Paris irá associar-se mais uma vez à barroca, à mercantil imaginação de uma construção (ou de um construtor) de máquinas, para enfear-se irremediavelmente e para desonrar-se? Porque a Torre Eiffel, que não desejaria para si mesmo a comercial América, é a desonra de Paris, não tenham dúvida. É necessário, a fim de perceber aquilo que estamos entrevendo, imaginar por um instante uma torre vertiginosa e ridícula que domine Paris como uma gigantesca e escura chaminé de fábrica, todos os nossos monumentos humilhados, toda a nossa arquitetura diminuída, até desaparecer neste sonho chocante. E, por vinte anos, veremos alongar-se como uma mancha de tinta, a sombra odiosa da odiosa coluna de ferro cheia de rebites. A vós, Senhor e caro compatriota, a vós que tanto amais Paris, que a haveis embelezado, cabe a honra de defendê-la ainda. E, se nosso grito de alarme não for entendido, se nossas razões não forem ouvidas, se Paris obstinar-se na idéia de desonrar Paris, ao menos teremos, vós e nós, feito ouvir um protesto honroso.


Compreende-se que a manifestação dos intelectuais seja de fato honrosa, pois a Torre seria, como é atualmente, um marco de Paris. Nota-se sua expressão pelo o que ela representa hoje, não se enxerga Paris sem a Torre Eiffel. E todos esses acontecimentos grandiosos, conseqüentes da industrialização, causam desconforto, pois além das mudanças visuais, na arquitetura, urbanismo e formas comerciais, também modifica a cultura, os costumes da sociedade.


Tal protesto não abalou a decisão de concretizar a torre de ferro. Benevolo (1976) diz que o ministro Lockroy, em resposta à carta dos artistas, sustentava em 1887 que a torre modificaria somente a paisagem insignificante do Campo de Marte, mas estava errado. A altura excepcional e a linha ininterrupta do pináculo entre a segunda e a terceira plataforma fazem, isso sim, que a presença da torre seja percebida de quase todos os cantos de Paris e entre em relação não mais, como um edifício antigo, com um ambiente definido governado por uma perspectiva unitária, mas sim com toda a cidade e de modo sempre mutável. Como na Galerie dês Machines, as dimensões inusitadas fazem mudar o significado da arquitetura e conferem-lhe uma qualidade dinâmica que força a considerá-la sob uma qualidade mesmo se o projeto em si respeite as regras da perspectiva tradicional. Eiffel continuou seu trabalho junto à sua equipe. A perfeição do trabalho entusiasmou tanto os franceses que alguns deles se dispuseram a escalar 345 degraus, o equivalente a dezenove andares de um prédio, até uma barraca improvisada onde o exigente Eiffel e sua equipe festejavam a proeza.


Entretanto, os trabalhadores, submetidos à construção acelerada, eram também submetidos a salários insignificantes, refeições a preço módico e, talvez motivados pela inquietação do final do trabalho, o que causou, em setembro de 1888, uma greve por melhores salários. Quatro dias parados e as reivindicações foram atendidas. Para Eiffel valia a pena pagar a diferença para não perder a batalha contra o tempo. Pouco mais tarde, outra greve eclodia. Dessa vez, porém, Eiffel foi inflexível: não só não aumentou os salários como também puniu de maneira peculiar os líderes do movimento, confinando-os ao primeiro andar - um humilhante rebaixamento para quem construía a grande obra de engenharia do século. O que deixa claro o quanto a altura era o que mais importava, determinando até o nível dos operários e como os empreendedores envolvidos na idealização da Torre eram ambiciosos e descartavam as condições de trabalho que os operários eram submetidos, as manifestações dos próprios trabalhadores e da sociedade.


Mas tamanha tecnologia, tanto nos matérias, como na forma de execução da obra deixou o mundo curioso e impressionado com tamanha “modernidade”. As obras logo viraram uma grande atração: parisienses, franceses de outras cidades e até estrangeiros vinham todos contemplar a gigantesca armação em ferro.


Quando a torre é terminada, em 1889, muitas posturas são modificadas. As contrárias se tornam favoráveis; as radicais, flexíveis; mas no conjunto, baseando no que a imprensa da época expôs, a opinião pública se fez favorável:


Face ao fato – e que fato! – concretizado, é preciso inclinar-se. Também eu, como muitos, disse e acreditei que a Torre Eiffel fosse uma loucura, porém é uma loucura grande e orgulhosa. É certo que essa massa imensa esmaga o resto da Exposição e, quando se sai do Campo de Marte, as cúpulas e galerias gigantescas parecem pequenas. Mas o que querem? A Torre Eiffel impõe-se à imaginação, é algo de inesperado, de fantástico, que lisonjeia nossa pequenez. Quando havia sido apenas começada, os mais célebres artistas e literatos, de Meissonnier à Zola, assinaram um ardente protesto contra a torre, como sendo um delírio de lesa-arte; assiná-lo-iam agora? Não, por certo, e gostariam que aquele documento de sua cólera não existisse. Quanto às massas populares, quanto à boa burguesia, seu sentimento se resume numa frase pronunciada por um cidadão honesto, depois de haver ficado cinco minutos de boca aberta diante da torre: Enfoncée l´Europe! (FOCHETTO, 1889, p. 7)


Pintura de Delaunay


No Journal dos Goncourt, ainda há matérias de literários que se mantêm contra a Torre Eiffel:



A Torre Eiffel faz-me pensar que os monumentos em ferro não são monumentos que conheceu a madeira e a pedra para construir seus refúgios. Depois, nos monumentos em ferro, as superfícies planas são assustadoras: veja-se a primeira plataforma da Torre Eiffel, com aquela fila de duplas guaritas: não se pode imaginar nada de mais feio para o olhar de um velho civilizado!


Benévolo afirma que o juízo dos contemporâneos é dominado pela impressão da novidade; o nosso é muito diverso, e deve, antes de tudo, libertar-se do véu do hábito que nos tornou por demais familiar a imagem da torre.


Delaunay retrata as agressões que a sociedade sofreu diante da torre. Ele mostra em seu quadro como a torre se exaltou diante das construções vizinhas. Mas, segundo Argan (1988), o artista não parte da observação direta, analítica, do objeto: opera sempre sobre uma imagem espacial que lhe é conhecida e familiar. O espaço que o interessa é o da cidade, e a cidade naturalmente é Paris, e o símbolo visível de Paris, a tônica e seu espaço urbanos, é a Torre Eiffel.


O filósofo G. Bachelard demonstra que a casa e a cidade, sendo o lugar onde crescemos e vivemos, são fundamentais nas nossas percepções do espaço. “Todos trazemos em nós, sem nos darmos conta, o sentido do espaço da cidade onde vivemos: suas amplitudes, suas dinâmicas, seus percursos, seu ar, sua luz, sua cor, as coisas que a preenchem”. Fica claro que as transformações causadas pela implantação da Torre Eiffel seriam de âmbito psicológico. A sociedade modificaria sua percepção de dimensão, grandeza, espaço. Agora a horizontalidade ficaria para outro plano e a verticalidade ganharia espaço. São justificáveis as reaçõesdos indivíduos diante de tamanha grandeza, por mais bela e representativa que a Torre nos pareça hoje, na época da sua execução os olhos dos homens não estavam “preparados” para tamanha construção.


Pintura de Delaunay



Neste quadro a Tour Eiffel projeta-se no ar abalando as casas que se aglomeram ao seu redor, destaca-se da Paris, como um míssil que se separa de sua rampa e parte para o espaço. Observe-se: o quadro não é cromaticamente intenso, seu tom de fundo é cinza. É a imagem indefinida e incolor, a qual traz o parisiense dentro de si, que de súbito materializa-se e acende-se. Então, entendem-se quais e quantos significados tinha essa imagem interior: a Tour Eiffel está como que enraizada no húmus urbano de Paris, e eis que vemos suas raízes lançadas às casas vizinhas, domina sobre a cidade inclinando-se sobre os telhados das casas; arremete ao céu, e ei-la entre as nuvens, que espocam à sua volta como granadas antiaéreas, confere à cidade um impulso ascendente, vêem-se as casas burguesas projetando-se no céu. Tudo é percebido com extrema clareza, percepção e fantasia, lançadas na mesma trajetória, percorrem o mesmo caminho. (ARGAN, 1988, p.433)

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